domingo, 13 de dezembro de 2009

DIAS DE EXILIO E SOLIDARIEDADE NA FRONTEIRA GAUCHA


Todos os finais de semana, um ritual se repete na aprazível região da campanha. Milhares de turistas se dirigem aos free-shops da fronteira de Santana do Livramento e Rivera em busca de bebidas, artigos importados a preços razoáveis e a boa carne uruguaia. O que poucos desconfiam é que essa região guarda mistérios bem mais densos do que os frívolos motivos do consumismo podem sugerir. Nas ruas de Livramento e Rivera, separadas por uma linha imaginária que aparentemente a nada se opõe, travaram-se batalhas em distintas escalas, desde a configuração da fronteira nacional, nas primeiras décadas do século 19. Algumas dessas batalhas políticas são recuperadas pelo jornalista Marlon Aseff, na obra Retratos do Exílio – Solidariedade e Resistência na Fronteira (Edunisc, 265 páginas).

O livro traz à luz os dias de desesperança, de lutas e de solidariedade, vividos por uma geração que teve de deixar o país, logo após o golpe que destituiu o presidente João Goulart do poder, em abril e 1964. No primeiro momento do golpe, as cidades gêmeas de Santana e Rivera desempenharam um papel fundamental na acolhida e passagem de militantes e perseguidos de toda a sorte, que buscavam a capital uruguaia como única possibilidade de refúgio. No território híbrido da fronteira, permeado de nuances que muitas vezes poderiam significar a vida ou a morte, a solidariedade foi a tônica naqueles dias. Através de uma pesquisa que levou cinco anos para ser concluída, em arquivos particulares, bibliotecas brasileiras e uruguaias, e em mais de 40 horas de entrevistas, o autor revela personagens que ainda permaneciam à sombra, em uma abordagem inédita na historiografia brasileira daquele período.

Recuando a lutas sindicais do começo do século, quando o Frigorífico Armour e o capital internacional se instala na cidade, revivendo crimes políticos que se perpetuavam em uma região de conflitos ideológicos latentes, Marlon Aseff chega aos dias decisivos de 1964. Naquele momento, encerrava-se a experiência republicana iniciada com o final do Estado Novo, e um projeto latino-americano de autonomia começava a ruir, como um castelo de cartas, em sucessivos golpes militares.

Na busca por uma conjuntura daqueles anos de exílio vividos na pequena cidade uruguaia, o autor retrata a trajetória de algumas famílias que ali se estabeleceram, como a do deputado trabalhista Beno Orlando Burmann, perseguido pela repressão política e acusado de participar do chamado “esquema de fronteira”, ou seja, dar passagem aos militantes da esquerda que entravam ou saíam do Uruguai e insuflar os movimentos de resistência que se sucederam com mais regularidade a partir de 1966.

Região referendada por dois dos maiores escritores da América Latina, Jorge Luis Borges e José Hernandez, que ali teria escrito o Martin Fierro, a fronteira gaúcha foi porta de passagem para os degredados políticos e palco de exílios durante todo século 20. Vigiada constantemente por serviços secretos brasileiros, uruguaios e norte-americanos, Santana do Livramento seria a cidade brasileira mais próxima da fazenda onde João Goulart mantinha seu quartel-general, em Taquarembó, a 120 quilômetros da linha divisória. A proximidade daqueles atores políticos com o presidente deposto, suas angústias e motivações pessoais, são retratados nas páginas do livro, que tem prefácio do jornalista e professor de literatura da USP, Flávio Aguiar e contracapa do historiador Paulo Pinheiro Machado.

Situado ao mesmo tempo no micro-cosmo das cidades gêmeas e nos desdobramentos políticos que circundavam uma América Latina radicalizada, o autor retrata um momento crucial para os destinos da nação, que ainda vive as conseqüências daquela ruptura política. Pelas mesmas ruas de Santana e Rivera, hoje inundadas de turistas e sacoleiros, passaram figuras como os insurgentes Carlos Lamarca , Joaquim Câmara Ferreira, Edmur Péricles de Camargo, ou o novato advogado e vereador auto-exilado, Tarso Fernando Genro, entre muitos outros que viveram os dias de incerteza do exílio. Como na assertiva do historiador Bernard Lepetit, nestes Retratos do Exílio o território é essencialmente uma memória e seu conteúdo é todo constituído de algumas formas passadas, que só subsistirão quando compreendidos pelas novas gerações. Nesse sentido, a obra de Marlon Aseff representa um passo à frente nesta direção.






Livro: Retratos do Exílio – solidariedade e resistência na fronteira


Autor: Marlon Gonsales Aseff


Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul


Lançamento: Espaço Cultural Antel


Agraciada 333 - Rivera


Dia 21 de Dezembro, segunda-feira, às 20h

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